quarta-feira, 23 de março de 2011

Tudo em seu lugar

Estava passeando por aí, como quem não quer dizer nem bom dia, tampouco, ser gentil e cortês logo nas primeiras horas. Mas ninguém estranhava tal atitude, pois, Odair sempre foi assim. Cara quieto, de poucas palavras e ainda menos amigos. Há quem pense que ele é deste jeito por não ser amado. Afinal, passava dos 50 e não era casado. Também tem aquele que pense o contrário, que ele não era casado porque era assim. Eram tantas teorias a respeito de Odair que seu mau-humor característico e seu sarcasmo irreparável eram conhecidas por todos de sua cidade. Nem sempre estava com a razão, mas tinha lá seus momentos de sabedoria absoluta.

Certa vez, numa reunião com a família, foi questionado por todos porque nunca havia se casado, e tampouco ter filhos. Sereno como um pata e convicto como um líder guerrilheiro ele sacava suas respostas.

- Primeiro, não casei porque prefiro estar sozinho. E não tive filhos porque é algo difícil de compreender. Você passa dois anos ensinando o bichinho falar e andar, e depois o resto da vida mandando ele fiquer quieto e calar a boca.

Ele também não gostava muito de crianças porque de acordo com ele, elas perguntavam demais. Certa vez, surgiu o seguinte diálogo, verídico, contado por ele mesmo e aconteceu numa das visitas à casa de sua irmã que tinha um filho de pouca idade, mas muito sagaz.

- Tio, porque os meninos estão usando calça rosa?
- Porque eles são um bando de viadinhos.
- Porque eles são viadinhos?
- Porque eles não gostam de meninas.
- Mas eu também não gosto das meninas, elas são chatas. Também posso ser um viadinho?
- Pode.

Ato repreensível, mas ele não queria prolongar aquela conversa sobre sexualidade, até mesmo porque, ele só entendia que homem é homem, mulher é mulher e o resto era viadagem.

O mesmo tato e senso de sensibilidade ele tinha com as mulheres. Certa vez, comprou flores para a namorada. Margaridas. Bom, há quem goste, mas ela, achava que eram flores de gente morta. Mas, para Odair, flor era flor e pronto. Ele não se ofendeu com a desfeita, mas, não quis mais saber de romance.

Por falar em morte, no velório de uma cunhada,um colega de trabalho, tentando puxar assunto começou:

- Como é a vida né?! Ontem mesmo eu a vi, e ela estava completamente feliz.
- A é?! E ela parece feliz agora? Parece que você tê-la visto não impediu que aquele piano caísse sobre ela, não é mesmo?

Odair era um cara assim, sem meis palavras e sem meios termos. Era tudo demais, ou de menos. Mas, Odair era um cara feliz. Um dia, na véspera do jogo do seu time do coração, foi lá e comprou um caixa de foguetes. Era final de campeonato, e o time vinha embalado. O time perdeu, mas Odair festejou com os foguetes, soltando-os em direção aos torcedores do time rival que passavam em frente a sua casa. Ninguém nunca viu Odair tão feliz assim. Cada tiro que pegava, era uma gargalhada sem precedentes.

Mas, há quem diga, que há uma mulher capaz de amolecer o coração do Odair. Seu nome era Solange, uma quarentona bem de vida, que morava há algumas ruas de sua casa e constantemente contratava os serviços de Odair - Cabe aqui, explicar que Odair era exterminador de pragas, baratas, ratos e outras coisas mais. De duas uma, ou os dois matavam os bixos aos gritos, ou então, algo mais estava acontecendo.

Mas, Odair não assumia o romance, dizia que mulher na fase dos "enta" não prestava, que no máximo, no máximo 39. Mesmo já não sendo jovem, sempre dizia que odiava velho. Velho, puta e Puta Velha, eram três coisas que Odair não suportava. Velhos porque sempre o passavam para trás em qualquer tipo de fila, fila do banco, do supermercado, do pão, do Hospital, até mesmo da zona. Não gostava de Puta porque cobrava por aquilo que muita gente dá de graça e não gostava ainda mais das Putas Velhas porque estas cobravam e ainda colocavam o produto como sendo novidade no mercado.

Um dia perguntei ao Odair, se o que ele achava do amor. Com toda sinceridade e serenidade do mundo, ele olhou por cima dos óculos, alisou aquela barriga enorme, passou a mão na careca vistosa e disse algo do tipo:

- Amor? Amor que nada!

terça-feira, 22 de março de 2011

Vontade de Você

Vontade de Você

Hoje eu acordei com vontade de você. Vontade de te ver. Vontade, simplesmente, sem por que ou para que. Vontade de ter sua cabeça repousada em meu peito e poder sentir o cheiro dos seus cabelos. Vontade de poder ouvir, no silêncio de nossas palavras, tudo que você não me dizia. Acordei com vontade de poder voltar no tempo e não cometer os mesmos erros e poder consertar no momento exato em que as coisas começaram a mudar. Acordei com vontade de ligar e ouvir sua voz. Acordei não querendo ter todas essas vontades, mas elas simplesmente vieram, como se uma barreira se rompesse e o rio das emoções voltasse a correr de forma devastadora.

Hoje eu acordei pensando em como poderia ter sido, pensando nos “Se´s” que mudariam tudo. Se eu não tivesse ficado desempregado, se eu não tivesse começado a entrar em depressão, se eu não tivesse me apegado, se eu tivesse dado mais espaço. E esse é o problema do “se”, só pensamos nele quando é tarde demais. Hoje eu acordei com a esperança de que você também estivesse pensando em mim como pensou um dia. Hoje eu acordei sem medo de sua rejeição. Hoje eu acordei sem medo de ser eu e dos meus sentimentos. Hoje acordei sem culpa de incomodar você. Hoje eu acordei sem tempo para pedir desculpas por não ter evitado o que aconteceu. Hoje eu acordei querendo fazer o que não fiz quando tudo terminou, acordei querendo lutar por você.

Hoje eu acordei com a estranha sensação que o dia seria diferente. Hoje eu acordei querendo dizer todas essas coisas e ter uma resposta. Hoje eu resolvi parar de fingir que não existe mais amor. Hoje descobri que tenho dificuldade para assimilar coisas que mudam rápido demais, como por exemplo, a velocidade com que seus sentimentos mudaram. Hoje acordei sem medo de ser destratado.

Por hoje me esqueci da minha nova realidade, nem mais triste, nem mais feliz, nem mais calma, nem mais louca, apenas diferente. Somente por hoje permito-me escrever essas coisas e não criar a esperança de que tudo mude. Somente por hoje, deixo aflorar esse sentimento que há tanto tempo estava guardado. Somente por hoje, permito-me lutar por uma causa perdida. Somente hoje, faço o que devia ter feito há tempos atrás.

Isto tudo porque hoje acordei assim: com vontade de você. Acordei com o único desejo de que a minha loucura de te procurar seja perdoada, porque metade de mim é amor, e a outra metade, também.


Este e outros textos você encontra no Livro "Escritos Esparsos" (mais informações:clique aqqui)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Confiar(?)

Fico espantado com a capacidade das pessoas em crer em especulações, boatos e fofocas e não acreditar naquilo que realmente sente ou sabe. Já vi e vivenciei muitas situações em que as pessoas confiam umas nas outras até o momento em que um Zé Ninguém qualquer diz algo que plante a dúvida.

É um comentário aqui, uma mensagem no celular mal-explicada ali, um telefonema, diga-se de passagem, não atendido lá. E as desconfianças começam. E a desconfiança cega para o mais importante: o que um sente pelo outro. O que desconfia põe em check a fidelidade e o amor do companheiro, o que é “acusado” se sente ferido por ter seus sentimentos questionados e aí começa o fim.

Não que devamos ser cegos de amor, fechar os olhos para realidades latentes, tipo uma traição visível, ou ainda, indícios fortíssimos de que o amor de sua vida, não é só o SEU amor, mas também de outra pessoa. Mas, o benefício da dúvida e pagar para ver, são atitudes dignas daquele que ama e acredita no relacionamento.

Já vi e ouvi muitos casos de verdadeiras paranóias quanto a fidelidade do namorado(a) ou marido(esposa). Mas todas elas se baseiam em uma coisa, a falta de confiança um no outro, e na maioria das vezes infundada. Quem ama não trai, e quem não ama o outro, não é merecedor do amor de ninguém. Então, o preferível é confiar. Confiar com um pé atrás que seja. Confiar, mas não deixar de estar atento aos sinais de que algo está fora do lugar.

Mas se confiar não é se cegar, o que fazer quando as suspeitas se tornam reais? Para estes casos, só duas opções. Ou ame de verdade, perdoe, volte a confiar e seja feliz. Ou então, termine tudo e procure alguém que lhe dê valor. Ser morno não ajuda em nada. Dizer que perdoou e não voltar a confiar, é o mesmo que tomar pequenas doses diárias de veneno, que lentamente, vão prejudicar ainda mais o relacionamento e aumentar exponencialmente as chances de novas mágoas.

O amor suporta tudo, suporta as indiferenças, as traições, as decepções e as brigas. O amor é o único capaz de tornar o perdão sincero e espantar as desconfianças que minam uma relação. O amor é a única base de sustentação real de um relacionamento. O único problema, é que não sei se o amor existe de verdade, mas prefiro confiar que sim.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Salve-me

Alguém me salve de mim mesmo
Das mentiras que criei
Das verdades que falei
me salve da minha auto-flagelação

Alguém me salve de mim mesmo
dos perigos que procuro
do meu medo inseguro
do meu pavor irracional

Alguém me salve de mim mesmo
Se não por amor, por piedade
Se não por autruísmo, por vaidade
mas me salve das minhas meias verdades

Alguém me salve de mim mesmo
ou me empurre deste penhasco
não finjo que adormeço
apenas finjo que não vivo

Alguém me salve de mim mesmo
antes que seja tarde
antes que se torne verdade
o medo que sinto de mim
antes que se torne começo
o que eu quero que seja fim

Alguém me salve de mim mesmo
dos pecados que cometi
e do futuro que quis para mim

Coisas Afins

Navegando no mar da inutilidade
encontro um par de velhas novidades
pessoas vacilantes a beira do precipício
tornando o que era fácil cada vez mais difícil

descubro um disco voador
que dá voos rasantes em volta do cristo redentor
um pedido de socorro que só eu vi
e que se desfez antes mesmo de partir

trocentos anos se passaram
e as coisas continuam sem mudar
uma nova paisagem, um novo lugar
é tudo igual ao que já estava lá

mudam-se os nomes
mudam-se os rostos
mudam-se os seios
mudam-se os gostos
mas tudo é em vão
o que importa não muda não.

A alma é a mesma
A ignorânica é a mesma
Os gestos os mesmos
As promessas as mesmas

O escritor sou eu
mas os fatos não sou eu que faço
não sou eu que mudo.
As paranóias sim.
Essas fazem parte de mim.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Trivialidades

Biscoito polvilho
Café fresco
Espiga de milho
olhar sem brilho

Tempo bom
A colheita feita
descansa na sombra
não faz desfeita

Atitude calma
prepara o cachimbo
descansa a alma
adormece sorrindo

O sol vai se pondo
o dia acabando
a mesa tá posta
os grilos cantando

descanso calmo
não tem tv
acende uma vela
pro santo que vê

ouvi o silêncio
beija a esposa
dorme sereno
e feliz repousa

assim foi o dia
assim foi o ano
assim foi a eternidade
simples assim
simples trivialidade